Friday, July 17, 2009

O Retrato do Sertão – 4

O sol forte se escondeu indolente no horizonte apagando da memória do sertanejo mais um dia de esperança, enquanto implorou e rezou pela chuva que não veio. Já estamos no mês de julho e a vontade de Deus, mercê das novenas, rezas e procissões com São José roubado da igrejinha mais próxima não surtiram efeito. O jeito era esperar.

A “faveira” de vagens robustas e nutritivas era a única fonte de alimento que restava no sertão. Sua folhagem abundante e esparsa serve para o sertanejo abrigar-se do sol quente, enquanto alimenta o rebanho faminto, às vezes sua própria família. O juazeiro ainda ostenta suas folhas verdes desafiando a seca bravia. Alhures vê-se raras espécies de aroeiras com galhos secos iniciando a florada que logo mais se transformariam em fogueiras na noite de São João para assar o milho, a mandioca e a batata, sobras da safra do ano passado. O carimã que Mãe Crisalda preparou com esmero - convidada com antecedência para pular a fogueira e se tornar madrinha de Agapito - já se encontrava sobre a mesa de madeira rústica, para deleite dos convidados. Rumores já se ouviam a distancia, enquanto a canjica, o bolo de fubá e a broa estavam sendo preparados por Marilda e suas irmãs.

Agamenon, seus irmãos, “seu” Quincas”, Mãe Crisalda, Maninha e seu filho Zequinha - o Zé da Venda - e outros que já haviam chegado, aguardavam no terreiro em volta da fogueira o resto dos convidados.

O fogo ardia ferozmente, e sobre o carvão candente espigas de milho verde aguardavam o momento de serem consumidas. A fumaça incessante se espargia rapidamente pelo espaço, impedindo as estrelas difundir seu brilho sobre a noite escura. Mas nada disso era motivo para atrapalhar a festa do batizado de Agapito.

Esperavam por Sá Lorena e seu marido que estavam à caminho.

De repente alguém gritou lá da porteira.

-Sá Lorena e “seu” Juvenal estão chegando!

- Apeiem-se e acomodem-se, disse Agamenon num sorriso toste denunciando-lhe a falta de alguns dentes.

Sá Lorena e “seu” Juvenal apearam. Enquanto ela se dirigia à fogueira e juntar-se ao pessoal, ele amarrava o cavalo num pequeno tronco de oiti à frente da casa. Cumprimentou quem estava presente, e sentaram-se à mesa ao lado de Maninha e seu filho Zequinha. Sá Lorena que observava tudo logo deu por falta de Geraldina, a irmã mais nova de Agamenon.

- Cadê Geraldina?

- Ela foi até a casa de Zeca Vaqueiro convidá-lo, mas logo estará de volta, respondeu Maninha que de nada sabia.

- Como vai Maninha, perguntou “seu” Juvenal, antes de cumprimentar Mãe Crisalda, sentada do outro lado da mesa.

-Tô bem. Só o Zequinha que de vez em quando tem a mania de querer ir embora pra São Paulo...Isso me entristece e me deixa aperreada ... O pai não fala nada... Quando diz arguma coisa, pede pra eu deixar de ser besta porque é mió pra ele. Em São Paulo arruma emprego, estuda e pode ser argúem na vida, invés de roceiro.

-Tá certo o Juvenal, Maninha...deixe de ser tonta! Interrompeu Sá Lorena.

- Mas “seu” Juvenal eu fico cá na cabeça com meus miolos queimando de afrição.

- Tem que deixar Maninha, se for para o bem dele, respondeu “seu” Quincas que se aproximava da fogueira sob olhar reprovativo de Sá Lorena com quem teve desavenças por divisão de terra.

Com a chegada de Agamenon a conversa se encerrou e todos se aconchegaram em torno da fogueira.

Mãe Crisalda pulou o braseiro com Agamenon e o filho no colo. Deram três voltas ao redor da fogueira pedindo para que São João os reconhecessem como compadres, sendo ela a madrinha de Agapito.

Estava batizado o tataraneto que Nhá Marina não conheceu.

O batismo civil se daria dali a três meses ou mais, quando a chuva que tardou esse ano, trouxesse fartura e alegria. A crisma do menino eles aguardariam a chegada do Padre Fausto, da Paróquia de Angico, que visitava todos os lugarejos nessa época.

Madrugou, e todos os convidados embalados de alegria pelo efeito da “mardita”, se foram. Ficaram acordados conversando no oitão Agamenon e seu irmão Agaciel, à espera de Geraldina que demorava chegar.

O Retrato do Sertão – 3

Anoiteceu em Poços dos Anjos. De madrugada, sob a luz do luar que se infiltrava no quarto através de fissuras no telhado, Dona Giselda, mulher de Agamenon sentiu as primeiras dores do parto.

Agamenon, num pulo só saltou da cama, vestiu-se apressadamente e correu para o jirau onde guardava os arreios. Atrelou o cavalo à carroça um tanto usada e sem bancos, e foi em direção à casa de Mãe Crisalda, parteira e benzedeira de grandes habilidades naquelas bandas do sertão. Foi ela quem ajudou sua mãe, Nhá Marina parir seus cinco irmãos. Ele e os outros seis mais velhos nasceram na fazenda de “seu” Quincas, filhos de Geremias, primeiro marido de sua mãe, morto por uma chifrada de boi.

-Mãe Crisalda...Mãe Crisalda....Mãe Crisalda, gritava Agamenon, enquanto batia fortemente na porta.

-Quem é?

-Sou eu, Agamenon, Giselda está com dor de parto e eu vim buscar a senhora pra ajudar o nenê nascer.

Mãe Crisalda, rezingando adoidada e portando um candeeiro a querosene, cujo pavio de algodão gasto pelo uso, mal iluminava seu rosto, aproximou-se da porta, abriu-a e mandou que Agamenon entrasse e aguardasse enquanto ia pegar “mezinha”, arruda e alguns apetrechos de que iria precisar.

Ainda zangada por ter sido acordada àquela hora da noite, mas consciente de sua função perguntou para Agamenon se em sua casa tinha álcool, cachaça e sal grosso.

- Não, mas na volta eu pego na venda de Maninha.

Subiu na carroça ao lado de Agamenon, e se acomodou sobre o estrado com as pernas penduradas.

Em disparada e com pressa de chegar, só as patas do cavalo e a relha da carroça deixavam suas marcas na estrada empoeirada do chão bruto e seco.

- Esqueci de pegar o relicário, disse mãe Giselda aborrecida.

-Não faz mal, vamos sem ele. A muié não agüenta mais. Acho que quando chegar, o menino já nasceu. Respondeu Agamenon nervoso.

Mal deu tempo de descerem da carroça, e mãe Giselda de posse das coisas que trazia dirigiu-se ao quarto em que estava à parturiente.

-Preciso de ajuda. Chamem a Marilda, pediu mãe Giselda.

Marilda era a irmã mais velha de Agamenon, dentre as mulheres.

Tinha experiência, apesar de não ter filhos. O único havia nascido morto, após um parto complicado que a impediu de conceber novamente.

Com as folhas de arruda embebidas em álcool, vinagre e sal, mãe Giselda esborrifou a barriga da parturiente que se torcia de dores.

- Não quero ninguém no quarto, somente eu e Marilda, disse esbravejando para que todos se retirassem.

Mãe Giselda dizia algumas palavras inaudíveis, que só ela entendia enquanto lançava “mesinha” e defumava o quarto espalhando a fragrância pelo ar.

Trinta minutos depois berrava um meninão amparado pelas mãos ágeis e delicadas da parteira.

Cortaram o cordão umbilical e deram-lhe o nome de Agapito.

Nascia o primeiro tataraneto de Nhá Marina que não teve a sorte de conhece-lo.

O Retrato do Sertão - 2

O sitio Poços dos Anjos amanheceu triste e desolado naquela manhã de sol quente. Na noite anterior toda vizinhança já sabia da morte de Nhá Marina.

-Morreu que nem um sabiá, disse Maninha com o filho caçula no colo.

-Que Deus guarde sua alma, repetiu Sá Lorena com um ramo de flores silvestres embebido com ervas medicinais que portava à mão.

Resmoneios de benzedeiras em volta da cama- em sua homenagem - eram ouvidos a distancia num coro uníssono e uniforme que se fazia acompanhar por todos que ali estavam. Até Sá Lorena, macumbeira de mão-cheia se fez presente, para desagrado dos filhos por quem não tinha nenhuma simpatia. Acantáceas em formato de feixes foram colocadas ao lado do defunto para - segundo a lenda da região – evitar que as bromas destruíssem o pano da rede caprichosamente tecido com bordados feitos à mão e alusivos às coisas do sertão. O Pároco mais próximo era da cidade de Angico, muito distante do local, por isso chamaram Mãe Crisalda, benzedeira gorda e baixinha que morava nas redondezas. A ela coube a incumbência de consagrar o corpo e prepara-lo para entregar nas mãos de Deus. Ramos de folhagens de diversas espécies e molhados com água e sal eram passados de mão em mão para que todos abençoassem a moribunda. Não se ouviam choro, nem lástimas, apenas rezas. Ninguém chorava por defunto naquelas bandas acostumados que estavam com o sofrimento em vida, já que a morte para eles é melhor que viver. A morte, é o descanso eterno do nordestino que passou a existência sofrendo os agouros da seca e da fome.

Terminada a cerimônia do velório, o marido e três de seus filhos-os mais velhos-dois em cada extremidade da rede seguiram com o féretro até o cemitério mais próximo. Cemitério era o que não faltava naquele sertão. Todo agricultor tinha um ao lado da casa onde enterravam seus entes queridos. Mas, por entrave de família – diziam alguns que a pedido dela- resolveram enterrar Nhá Marina no cemitério de “seu” Quincas, patrão do seu primeiro marido e padrinho de Agamenon, por quem nutriam grande amizade e respeito

Assim foi feito. Partiu Nhá Marina sem ver o nascimento dos tataranetos, deixando uma lacuna na família e um vazio nas noites de luar, quando no alpendre da casinha de taipas, depois das baforadas no cachimbo de barro, reuniam-se para ouvir estórias de lobisomem e aventuras de Lampião que ela bem conheceu.

Julho, 13/09

O Retrato do Sertão - 1

Apoiada numa bengala de pau com solado de couro de boi para não escorregar, ela se dirigiu ao alpendre da casa construída de taipas, e sob a janela sentou-se num banquinho de madeira de três pés feito por um dos filhos. De lá observava e comandava todo o movimento do roçado. Com mãos tremulas pegou o cachimbo de barro, colocou o pouco do tabaco que ainda restava e deu duas baforadas esfumaçadas que se esvaíram rapidamente no ar,e cuspiu fortemente sobre o piso do chão empedrado. Sentiu-se, naquele momento aliviada dos percalços da vida. Prendiam lhes os cabelos brancos e escassos que ainda lhes restavam, uma espécie de atavio enfeado, recordação dos tempos de mocinha.

Nhá Marina, como todos a conheciam tinha 102 anos de idade. Nasceu em 1908, nos arredores do município de Angico, sertão de Alagoas. Viúva por duas vezes, teve doze filhos, dezoito netos e quatorze bisnetos. Tataranetos estavam por vir, filhos de Agamenon e Agadir, os mais velhos.

Ao anoitecer, sob a luz das estrelas e da lua quando era verão bruto no sertão, rodeada pelos filhos, netos e bisnetos gostava de contar a saga de Lampião que o conheceu quando tinha doze anos de idade.

Naquele pedacinho de terra, cizânia do sertão bravio esquecido de todos e longe da civilização, ela criou os filhos com ajuda do segundo marido, Zé da Vila, cabra macho por quem se apaixonou quando o conheceu numa festa de São João. O primeiro marido, pai de sete dos seus doze filhos, havia morrido por uma chifrada do boi “cabreiro”, um dos zebus mais ferozes do “seu” Quincas”, fazendeiro para quem trabalhava.

-Bás tarde Nhá Marina, como vai? Disse Zequinha da Venda.

Ergueu os olhos assustada, e num ímpeto de curiosidade, indagou:

- Quem é você?

- Sou o Zé, filho de Maninha...Zequinha da Venda. Vim trazer umas coisinhas que a mãe mandou pra Senhora.

-Senta aqui, meu fio. Como vai sua mãe?

- Ela lhe mandou lembranças e recomendou-lhe repouso.

- Pois diga pra sua mãe que é ela quem precisa de descanso.

- Eu to muito bem, de manhã já dei mio pras galinhas, pras cabras, rocei, cuidei do terreiro, da chafurda, fiz o armoço prus fios, e agora tô baforando meu cachimbo.

Diante disso, Zé da Venda, entregou a encomenda e se mandou, mais ligeiro do que chegou.

Nhá Marina contava que quando tinha doze anos, Lampião e seu bando chegavam de repente nas redondezas e aliciavam jovens como ela a irem ao acampamento e participar das rodilhas que soe acontecer após investidas vitoriosas.

Certo dia, já tardezinha o cabra de Lampião de nome Corisco, veio à sua casa e com permissão do pai, levou-a juntamente com outras jovens da redondeza, todas de olhos vendados para não conhecerem o lugar aonde seriam levadas.

Elas se divertiram tanto com os “cabras” que tanto chalacearam, que no dia seguinte não queriam ir embora. Como o Capitão Virgulino era homem de palavra, ordenou seus cabras - cada uma montada na garupa do cavalo – a entrega-las sãs e salvas com os seus agradecimentos. Cada jovem recebeu um mimo do Capitão. O de Nhá Marinas era uma tiara confeccionada em chifre de boi ornado com pequenas estrelas de prata.

Friday, May 29, 2009

João Vaqueiro

João, ele se chamava. Esse era o seu nome. Não tinha sobrenome. Chamavam-no de João Vaqueiro.Talvez pela tarefa diária de cuidar do gado. Todos o conheciam como tal. Nem ele sabia exatamente se João se chamava, quanto mais seu sobrenome. Aliás, nem sabia o que era sobrenome. Sabia que era João, e só. Não tinha nem pai, nem mãe. Haviam morrido, quando ainda criança fora doado aos padrinhos que o batizaram e o criaram, coisa comum por aquelas bandas do sertão nordestino. Assim viveu e cresceu João numa fazenda, no meio do mato, rodeado de cavalos, bois, carneiros, e outros animais, seus únicos amigos a quem confiava e com os quais dizia que conversava. Não falava com ninguém qualquer coisa que fosse, senão com o padrinho. Nos momentos de satisfazer seus instintos sexuais valia-se da “mimosa”, estimada vaca de úberes avantajados.

– Era melhor que qualquer vagabunda, dizia ao padrinho, após ser repreendido.

- Só mimosa me dá prazer, e com ela não tenho medo de pegar doenças. Afirmava sempre para o padrinho todas as vezes que satisfazia suas fantasias bestiais, talvez até para adverti-lo por ser o padrinho um homem freqüentador contumaz dos prostíbulos da cidade.

João não tinha qualquer noção da estupidez que praticava contra o animal. Se pensava, de nada lhe servia o cérebro, pois jamais deu demonstrações de possuí-lo.

Num domingo pela manhã, aproveitando a estada do Pároco na cidade, o padrinho resolveu levá-lo à Igreja afim de que o Padre o abençoasse e perdoasse seus pecados.

- Oi João, como vai, disse Padre Eustáquio, com um sorriso largo que vinha de orelha à orelha do rosto gordo e corado protegido por um óculos de lentes garrafais.

João nada lhe respondia. Apenas abaixava a cabeça, num sinal de irreverência e timidez.

O Padre o abençoou, perdoou seus pecados e João voltou para casa.

De nada adiantou. João voltava a praticar as mesmas bestialidades.

12 Março 2009

A Triste Realidade

Ele tentou, mas não conseguiu. Estava difícil naquela manhã cinzenta e úmida completar sua caminhada que fazia diariamente há vinte e dois anos por recomendação medica. A chuva fina e insistente obstava seu desejo. Desistiu da caminhada. Voltou para casa, um tanto desolado. Tirou o agasalho, vestiu novamente o pijama e deitou-se na cama para aproveitar ao menos, alguns minutos de relaxamento e solidão, enquanto ao seu lado a mulher dormia um sono profundo. O teto do quarto e a fraca luz do abajur eram os únicos pontos em que seus olhos podiam se fixar. O pensamento vagueou pelo infinito, a procura de algo que lhe trouxesse alguma lembrança do passado. Lembrou-se dos amigos, das farras que faziam juntos, das namoradas que foram tantas...De repente, alguém lá fora gritou o seu nome. Levantou-se sobressaltado, e num ímpeto de curiosidade e raiva abriu a janela para verificar. Um forte estampido de arma de fogo fez sua mulher levantar-se instantaneamente da cama e correr para a sala, desesperada por não ver o marido ao seu lado. Ao se aproximar da janela viu seu corpo ensangüentado postado ao chão. O socorro demorou a chegar. A tragédia se consumou. Ele foi abatido por um marido traído que já o perseguia há algum tempo.

Era tido como galeantador. Usava brilhantina “glostora” nos cabelos, que quando exposta ao sol escorria-lhe pelo rosto bronzeado do sol das praias. Era um galã. Aliás, seu desejo na juventude sempre fora ser artista de cinema. Aonde quer que estivesse era assediado por varias mulheres. Sua esposa, passivamente tudo aceitava em nome da família, da manutenção do casamento e da vida social que desfrutavam na cidade. Jamais, sua esposa desconfiou que ele tinha amante, apesar do seu jeito sedutor. Sempre foi um bom marido, excelente pai e amigo.

Wesley, se chamava. Sua mãe gostava do nome que havia dado em homenagem ao gerente da fabrica inglesa de fertilizantes que se instalara na cidade durante a segunda guerra mundial.

Maio, 28/2009

Thursday, May 28, 2009

O Pesadelo das Drogas

Não sei para onde vou, nem sei se vou chegar. Vago pelas ruas à procura de um abrigo para o meu corpo frágil e debilitado. As estroinices do passado transformaram-me num farrapo humano. As noites mal-dormidas ao relento, sob a luz das estrelas num banco de jardim, aquecido pelo consumo do álcool e das drogas, tornaram-me distante da família: pai, mãe, esposa e filhos. Dos amigos, nem pensar.Todos me repudiam, como se eu fosse um lixo. Na verdade, o sou. Mas, foram todos eles que me levaram ao fundo do poço, para um futuro sem volta. Sem esperança alguma de recuperação andei à ermo pelas ruas da cidade à espera de um ombro amigo, se bem que ainda havia em mim uma réstia de luz a me nortear o amanhã. Não tinha sentido algum prosseguir nesta caminhada para o inferno. Pensar no futuro era difícil, não conseguia, porque o efeito maligno de sensação de bem-estar deixado pelas drogas, me impedia de fazê-lo. O futuro para mim era tênue porque seria a mesma coisa que o presente. Não tinha vontade de amar alguém ou amar-me a mim mesmo. Nem sequer tinha vontade de pensar. Quem partilharia seus sentimentos com um andrajo mal-cheiroso? No entanto, um filetinho de esperança ainda tinha no peito. Nos momentos sóbrios da vida que eram poucos, mantinha uma sensação de um dia voltar ao passado, reatar as boas amizades, reorganizar a família e voltar ao seio social, do qual fui expulso por faltar-me a consciência e por induções de falsos amigos. Numa madrugada fria, após despertar do efeito maligno, tive uma alucinação em que me via embarcando num avião rumo a um lugar, cujo nome não conseguia me lembrar depois. Era uma pequena cidade – disso me recordo bem. Lembro-me de suas ruas. Eram tortuosas, tal qual a trajetória da minha vida. Tudo era escuro para mim. Somente eu e minha sombra andávamos pelas alamedas da cidade, cujas arvores impediam as estrelas refletirem sua luminosidade sobre o meu caminho. Andávamos, eu e minha sombra, um ao lado do outro, parecendo dois andejos inseparáveis. Minha sombra me causava medo. O medo que me atormentou a vida inteira e me perseguiu até o fim. A sombra que projetava minha imagem refletida pela claridade das luzes das janelas das casas ainda acesas, e que iluminava o meu caminho, queriam me levar a um lugar seguro. De repente parei e vi-me diante da minha sombra.

Sobressaltado pela figura tenebrosa que me acompanhava perguntei-lhe, ainda transtornado sob o efeito mortal das drogas.

-Quem é voce? O que quer de mim?

- Sou você mesmo. Não se reconhece mais? Respondi-me inconsciente.

Por alguns instantes trocamos insultos e empurrões. Lutamos ferozmente, tão vil e deplorável era o meu estado físico e mental.

De pose de uma faca que portava na cintura, desferi-lhe vários golpes mortais. Ela caiu postada ao chão, desfalecida, enquanto eu fugia pelas ruas desertas, gargalhando de alegria por ter vencido o inimigo. Feri-me gravemente, eu sei, mas alguém enviado por Deus que por ali passava no momento, padeceu-se do meu infortúnio e levou-me a um hospital. Finalmente livrei-me do infortúnio, venci a desgraça, e hoje sou livre e cheio de esperanças para recomeçar a vida.

Saturday, May 16, 2009

Troca de Legenda

A permanecer o “fica aqui ou vai pra lá” de filiados partidários que trocam de legendas a pedido do “chefe”, em pouco tempo teremos um só partido político em São Caetano do Sul: o do prefeito. Partido mãe que carrega atrás de si a fileira desenfreada de partidos prosélitos, sem qualquer dignidade e respeito ao eleitor, cada vez mais asfixiado e isolado da política local. Com exceção do PSOL, que pouco representa na cidade – primeiro por não ter representação na Câmara Municipal – segundo por inexistir politicamente, já que metade de seus membros emigrou do PT. O próprio PT que, com apenas um vereador, esquece-se da origem em troca de algum beneficio e torna-se o filho prosélito a fazer parte da irmandade. Inexiste oposição em São Caetano, não pela vontade do povo, mas pelo poder real. O poder legislativo talvez tenha suas razões, das quais discordo, para não se opor aos poderosos do Paço Municipal. Está atrelado e comprometido no mesmo barco do executivo. A administração Raimundo Leite, da qual honradamente me orgulho de ter participado, cujo símbolo era representado por uma flor que simbolizava a “CRUZADA DE AMOR À CIDADE”, num apelo de união das famílias – cujos frutos posteriormente colhidos - sofreu oposição ferrenha do ex-tri prefeito comandada pelo seu maior líder, o ex- Vereador Osvaldo Martins Salgado, coadjuvado por um jornal local sem qualquer credibilidade, ávido de noticias aleivosas. Durante sua gestão, Raimundo teve na Câmara Municipal a oposição de alguns políticos desleais, movidos pelo ódio e pela inveja. Seguiam-lhe todos os passos. Gravavam, fotografavam e anotavam tudo o que ele falava e fazia. Publicavam-se noticias sensacionalistas de qualquer cidadão, desde que o mesmo se chamasse Raimundo: se havia brigado com a mulher, ou tido qualquer entrevero com vizinhos, era motivo de reportagem em letras garrafais na primeira pagina, com infâmias aleivosias, sem escrúpulo algum, com o único objetivo de confundir a população que já se esquecera das cizânias do passado. Foi destratado e injuriado pelos adversários. Sua vida particular foi investigada, virada ao avesso, às vezes ultrajada, sem que nada ficasse provado. No mesmo ímpeto de raiva, inveja e ódio fizeram com Campanella e Massei. No entanto, mal-grada a intenção inópia e voraz de seus opositores, eles prosseguiram administrando a cidade sem lhes dá qualquer resposta às infâmias recebidas. O respeito, a confiança e a admiração que o povo lhes atribuíram foram suficientes para fazer-lhes calar. Hoje, graças à educação, o respeito e a cultura política do povo de São Caetano do Sul, não vemos este tipo de insânia.

Os políticos se reeducaram ou sentiram vergonha na cara? Aceito as duas hipóteses!

José Miranda Filho
Advogado, ex-chefe de Gabinete da Administração Raimundo Cunha Leite.

Falsa Ilusão

Meu filho tinha quinze anos. Sempre mantivemos um dialogo honesto abordando todos assuntos que interessam aos jovens de sua idade. Entre ele e eu não existiam paridades, quer absolutas ou relativas, desde que o assunto visasse sobre sua formação moral e cívica.

Certo dia logo ao amanhecer, ansioso e preocupado por não vê-lo na cama, ele chegou sorrateiramente e me disse:

-Sei que o Senhor não vai gostar, mas ontem à noite fumei maconha na festa de um colega, do qual o Senhor não gosta.

O mundo desmoronou para mim naquele instante, porque jamais imaginava que um filho meu fosse usuário desta desgraça, praga, veneno, miséria, seja qual titulo queiram dar alguns defensores desta desdita, que destrói milhares de lares, e transforma em farrapos humanos dezenas de jovens afoitos em provar sua masculinidade e testar a adrenalina que dizem possuir.

Cabisbaixo, mas com semblante sereno, para não deixar transparecer o ódio que me dominava naquele instante, chamei-o amavelmente e lhe disse:

- Filho, você se lembra da ultima vez que se sentou no meu colo?

Ele levantou os olhos lacrimejados, aproximou-se de mim e num gesto que jamais esquecerei, respondeu-me:

-Pai, cruze as pernas.

Foi o momento mais sublime que experimentei na vida. Afinal, ele já completara quinze anos de idade, suficiente para tornar-se independente e enveredar-se para o caminho do mal.

Sentou-se no meu colo e abraçou-me chorando.

Meus anos de experiência enrijecidos pela idade, mas firme para acolher àquele que era a continuação da minha vida, o ser que mais amava, antes até de mim mesmo, fizeram-me sutilmente atender-lhe. Cruzei as pernas e lhe disse:

-Diga-me, conte-me o que aconteceu.

-Por que você foi à casa desse seu amigo, sabendo que eu não gosto dele por ser por ser uma pessoa desconfiável?

- Pai, há momentos na vida que a gente se sente feliz fazendo coisas erradas. Isso está na nossa idade, no nosso ego, na adrenalina que temos de expelir do corpo.

- O Senhor não entende dessas coisas, porque sua idade já passou, já era, meu pai! Os tempos são outros!

No momento que ele me disse essas palavras, senti meu sangue ferver em todas as veias do corpo. Mas, contive-me, ou Deus me deu este momento para ponderar.

-Filho, realmente você tem razão quanto à idade, mas nunca despreze o amor e o sentimento que lhe devoto. Amo-o mais que qualquer coisa na vida e desejo vê-lo sempre feliz. No entanto, há sentimentos descomunais da vida que a razão desconhece e ignora, em detrimento do nosso querer, e nos impinge tomar decisões, às vezes contrárias à nossa vontade. Ignoramos o lado paternal e do amor.

- Não sei se desconsidero tuas palavras ou se dou cabo da tua vida agora, ou tento mais uma vez recuperar-te dessa infâmia.

Seus olhos fixaram-se languidamente nos meus, num ímpeto de agonia e tristeza. Ele sentiu, naquele instante a dor, a aflição e a agonia de um pai..

-Pai, juro-lhe, disse-me abraçando e beijando-me. Pelo mais sagrado amor que existe no mundo, jamais farei uso de drogas, mesmo que para isso tenha que dispor da própria vida.

-Não é necessário isso filho, disse-lhe sorrindo e beijando-lhe. Foram os momentos mais felizes da minha vida, que tanto pedi a Deus em minhas orações. Ficou no meu colo até passar suas convulsões.

Muitos anos depois, afastado dos falsos amigos e recuperado das drogas, meu filho hoje é executivo de uma empresa multinacional, e dirige uma ONG para recuperação de jovens usuários de drogas.

Friday, May 15, 2009

Chamado por Deus

Não fosse a ordem emanada do Oriente Eterno para trazê-lo a sentar-se entre os angelicais no seleto grupo dos enaltecidos, Doutor Antonio Russo não teria nos deixado tão cedo. Lutou até o ultimo instante da vida contra a enfermidade que o fez sucumbir. Mesmo doente, jamais se deixou abater pelo desanimo ou pela letargia. Ignorava ser ele a quem a morte flertava. Tanto era a avidez que dedicava ao trabalho e aos amigos. Mesmo debilitado ia diariamente ao escritório, inclusive aos sábados, prática que jamais abdicou durante 50 anos, e que certamente um mal qualquer não seria capaz de fazê-lo desistir. Trabalhou intensamente e aguerrido, até o ultimo minuto que o Grande Arquiteto do Universo lhe concedeu. A batalha só foi perdida porque o guerreiro já sem forças para vencê-la, vergou-se ante ela. E, assim foi Doutor Russo, participante indomável no processo de retorno da redemocratização da nação brasileira. Defensor imbatível dos presos políticos que se opunham ao regime que nos tolheu a liberdade, instilava suas discordâncias através de pronunciamentos contundentes no Congresso Nacional. Na área do Direito mostrou sua eficácia e inteligência, e ofereceu-se no desempenho de sua função para reparar o direito de liberdade ao cidadão oprimido em todas as esferas jurisdicionais do país. Como homem publico deixou-nos virtuosos exemplos de como servir ao povo, este mesmo povo que por duas vezes consecutivas não o entendeu ao negar-lhe a eleição de prefeito da cidade que muito amava e o viu nascer. Partiu Antonio Russo a chamado de Deus aonde está ao Seu lado, deixando-nos uma lacuna profunda de saudades, mas com certeza, para honra e gloria seu nome será lembrado eternamente entre todos nós que por ele nunca fomos esquecidos.

Adeus Doutor Russo. Descanse em paz!

Friday, March 13, 2009

O Despertar de um Novo Dia

O sol do amanhã que desponta no horizonte, com certeza será o novo dia para o ressurgimento do PMDB, por cujo símbolo é conhecido e admirado. Somos 1.803.244 filiados em todos os Estados da Federação. Sua trajetória de lutas democráticas jamais será esquecida e aviltada por quem quer seja. Há que se reconhecer seu passado patriótico, seu valor partidário e seu esforço insano para a redemocratização do país. No período da famigerada ditadura foi o PMDB (MDB) que mais se expôs às prisões e às torturas, denunciando através de seus lideres no Congresso Nacional o envilecimento aos direitos sociais e humanos dos cidadãos brasileiros. Quem não se lembra da cassação em massa, da perseguição desenfreada sofrida por aqueles que se opunham ao regime?

À época, nos anos setenta não se podia aviventar qualquer ação contrária às diretrizes dos mandantes ditadores. Entretanto, lá estava o PMDB coeso, intensificando a massa, reunindo milhares de cidadãos de todos os níveis culturais e sociais, para numa só voz exigir o retorno à democracia. Não foi em vão. A luta foi intensa e cruel com prisões, torturas, cassações e sacrifícios da própria vida, até alcançarmos a plenitude do direito de liberdade. Por esse histórico democrático acumulado é que exigimos mais condescendência com quem foi e continua sendo o maior partido de oposição ao regime antidemocrático no Brasil, atualmente presente em oito estados da Federação representados por seus respectivos governadores, e em dezenas de municípios brasileiros, cujas cidades e câmaras municipais são administradas por prefeitos e vereadores do PMDB. Eis o quadro atual: oito governadores, seis ministros, 19 senadores, 95 deputados federais e 8.497 vereadores. Das 100 maiores cidades do País o PMDB governa 18, atrás apenas do PT com 28.

Em São Caetano do Sul já fizemos história que, infelizmente ficou no passado, mas, ninguém em sã consciência poderá duvidar que ressurgiremos em breve para fazer o sol brilhar no amanhecer de um novo dia. Espere, e verão um novo PMDB municipal!

Monday, March 09, 2009

Homenagem Póstuma

Ainda bem que não faço por merecê-la, e se merecesse não teria pressa alguma de recebê-la. Reconheço humildemente e sem falsa modéstia. Não se trata de cobiça de quem a mereceu recebê-la ainda em vida ou a recebeu depois da morte. Apenas acho que não mereço, primeiro por pertencer a etnia de milhares de brasileiros, teimosos heróis anônimos, que vivem neste país graças a uma aposentadoria miserável que os governantes titubeiam reajustá-la em detrimento do déficit orçamentário. Segundo por não possuir “pedigree” da classe política e oligárquica que domina nossa cidade. Entretanto,se esquecem os governantes que o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) pertence aos aposentados. É deles, àqueles que contribuíram e contribuem para sua manutenção. Não é, e jamais será o INSS entidade própria para financiar ou bancar benefícios outros que não seja a aposentadoria. Desvirtuam-se os fins sociais. Para esses benefícios existem outros órgãos, tais quais aqueles que lotam seus cofres de verbas para distribuir ao Bolsa Família, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Bolsa Farmácia e outras bolsas que ainda virão: a bolsa voto, por exemplo.

Pois bem, voltemos ao assunto da homenagem póstuma, tema do nosso artigo. Não acredito que alguém em sã consciência negue-se a recebê-la, se entre nós mortais ainda estiver. Talvez, por questão de vaidade, característica visível no ser humano. “Vanitas vanitatae, omnia vanitas”, já dizia Homero muitos séculos passados. Incluo-me também entre aqueles que não tem pressa de recebê-la, se por ventura, algum edil desavisado apresentar projeto de Lei, única matéria, entre denominar nomes de ruas e de escolas, pode legislar. Podas de arvores, tampamento de buracos em ruas e avenidas, troca de ponto de ônibus, colocação de faróis de transito e outros tais, são objetos de indicação encaminhados ao Prefeito. Se persistir o ordenamento jurídico de conceder a homenagem apenas ao falecido, nem falar. Mas, se por desvio de memória de algum legislador desconhecedor dos impedimentos jurídicos me queira dá-la, descarto-a imediatamente. Com exceção de alguns poucos amigos com quem partilho a alegria do dia-a-dia dos infortúnios da vida, e de poucos momentos de alegria e de companheirismo nos botecos da cidade, não existem outras razões para receba-la. “Teria dito Castro Alves antes de falecer, na sua trajetória de vida que viveu intensamente sem se incomodar com as más línguas difamatórias das comadres e de mães desprovidas do amor materno. ” Tudo o que eu fizer terá que ser reconhecido em vida. Após a morte não me interessa, não tem sentido “ Não questiono e não me interessa saber se ele tinha ou não razão, e se na verdade teria proferido essas palavras. Entretanto, lhe pergunto: Por que não se concede a homenagem em vida? A trajetória de Castro Alves, seus dias, seus versos, seu acervo literário, foram dedicados àqueles que não tinham identidade de vida e direito de expressar-se? Foi escrassado e aniquilado de suas idéias escravocratas e acochado por alguns que lhes alcunhavam de mau caráter, boêmio, vida fácil etc. Viveu sua vida e dedicou-a ao semelhante oprimido. Amou e foi amado e jamais negou proteção aos irmãos escravizados.

A homenagem por merecimento àqueles que dedicam suas vidas, e seu dia-a dia ao próximo sem nenhum respaldo financeiro ou desejo de aparecimento na mídia teria que ser outorgada ainda em vida. Fora deste contexto é mera politicagem. Evidentemente, se outorgado em vida, apesar das restrições legais, teria que haver acima de qualquer suspeita critérios de merecimentos de quem recebe e conscientização de quem outorga para não se perpetuar a figura de quem não merece e que nada fez por carecê-la. A exemplo de personagens viventes de nossa cidade. Não adianta fantasiar a figura daquele que se foi e nem perpetuar a memória daquele que nada fez por merecê-la.