Friday, July 17, 2009

O Retrato do Sertão - 1

Apoiada numa bengala de pau com solado de couro de boi para não escorregar, ela se dirigiu ao alpendre da casa construída de taipas, e sob a janela sentou-se num banquinho de madeira de três pés feito por um dos filhos. De lá observava e comandava todo o movimento do roçado. Com mãos tremulas pegou o cachimbo de barro, colocou o pouco do tabaco que ainda restava e deu duas baforadas esfumaçadas que se esvaíram rapidamente no ar,e cuspiu fortemente sobre o piso do chão empedrado. Sentiu-se, naquele momento aliviada dos percalços da vida. Prendiam lhes os cabelos brancos e escassos que ainda lhes restavam, uma espécie de atavio enfeado, recordação dos tempos de mocinha.

Nhá Marina, como todos a conheciam tinha 102 anos de idade. Nasceu em 1908, nos arredores do município de Angico, sertão de Alagoas. Viúva por duas vezes, teve doze filhos, dezoito netos e quatorze bisnetos. Tataranetos estavam por vir, filhos de Agamenon e Agadir, os mais velhos.

Ao anoitecer, sob a luz das estrelas e da lua quando era verão bruto no sertão, rodeada pelos filhos, netos e bisnetos gostava de contar a saga de Lampião que o conheceu quando tinha doze anos de idade.

Naquele pedacinho de terra, cizânia do sertão bravio esquecido de todos e longe da civilização, ela criou os filhos com ajuda do segundo marido, Zé da Vila, cabra macho por quem se apaixonou quando o conheceu numa festa de São João. O primeiro marido, pai de sete dos seus doze filhos, havia morrido por uma chifrada do boi “cabreiro”, um dos zebus mais ferozes do “seu” Quincas”, fazendeiro para quem trabalhava.

-Bás tarde Nhá Marina, como vai? Disse Zequinha da Venda.

Ergueu os olhos assustada, e num ímpeto de curiosidade, indagou:

- Quem é você?

- Sou o Zé, filho de Maninha...Zequinha da Venda. Vim trazer umas coisinhas que a mãe mandou pra Senhora.

-Senta aqui, meu fio. Como vai sua mãe?

- Ela lhe mandou lembranças e recomendou-lhe repouso.

- Pois diga pra sua mãe que é ela quem precisa de descanso.

- Eu to muito bem, de manhã já dei mio pras galinhas, pras cabras, rocei, cuidei do terreiro, da chafurda, fiz o armoço prus fios, e agora tô baforando meu cachimbo.

Diante disso, Zé da Venda, entregou a encomenda e se mandou, mais ligeiro do que chegou.

Nhá Marina contava que quando tinha doze anos, Lampião e seu bando chegavam de repente nas redondezas e aliciavam jovens como ela a irem ao acampamento e participar das rodilhas que soe acontecer após investidas vitoriosas.

Certo dia, já tardezinha o cabra de Lampião de nome Corisco, veio à sua casa e com permissão do pai, levou-a juntamente com outras jovens da redondeza, todas de olhos vendados para não conhecerem o lugar aonde seriam levadas.

Elas se divertiram tanto com os “cabras” que tanto chalacearam, que no dia seguinte não queriam ir embora. Como o Capitão Virgulino era homem de palavra, ordenou seus cabras - cada uma montada na garupa do cavalo – a entrega-las sãs e salvas com os seus agradecimentos. Cada jovem recebeu um mimo do Capitão. O de Nhá Marinas era uma tiara confeccionada em chifre de boi ornado com pequenas estrelas de prata.

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