Friday, July 17, 2009

O Retrato do Sertão - 2

O sitio Poços dos Anjos amanheceu triste e desolado naquela manhã de sol quente. Na noite anterior toda vizinhança já sabia da morte de Nhá Marina.

-Morreu que nem um sabiá, disse Maninha com o filho caçula no colo.

-Que Deus guarde sua alma, repetiu Sá Lorena com um ramo de flores silvestres embebido com ervas medicinais que portava à mão.

Resmoneios de benzedeiras em volta da cama- em sua homenagem - eram ouvidos a distancia num coro uníssono e uniforme que se fazia acompanhar por todos que ali estavam. Até Sá Lorena, macumbeira de mão-cheia se fez presente, para desagrado dos filhos por quem não tinha nenhuma simpatia. Acantáceas em formato de feixes foram colocadas ao lado do defunto para - segundo a lenda da região – evitar que as bromas destruíssem o pano da rede caprichosamente tecido com bordados feitos à mão e alusivos às coisas do sertão. O Pároco mais próximo era da cidade de Angico, muito distante do local, por isso chamaram Mãe Crisalda, benzedeira gorda e baixinha que morava nas redondezas. A ela coube a incumbência de consagrar o corpo e prepara-lo para entregar nas mãos de Deus. Ramos de folhagens de diversas espécies e molhados com água e sal eram passados de mão em mão para que todos abençoassem a moribunda. Não se ouviam choro, nem lástimas, apenas rezas. Ninguém chorava por defunto naquelas bandas acostumados que estavam com o sofrimento em vida, já que a morte para eles é melhor que viver. A morte, é o descanso eterno do nordestino que passou a existência sofrendo os agouros da seca e da fome.

Terminada a cerimônia do velório, o marido e três de seus filhos-os mais velhos-dois em cada extremidade da rede seguiram com o féretro até o cemitério mais próximo. Cemitério era o que não faltava naquele sertão. Todo agricultor tinha um ao lado da casa onde enterravam seus entes queridos. Mas, por entrave de família – diziam alguns que a pedido dela- resolveram enterrar Nhá Marina no cemitério de “seu” Quincas, patrão do seu primeiro marido e padrinho de Agamenon, por quem nutriam grande amizade e respeito

Assim foi feito. Partiu Nhá Marina sem ver o nascimento dos tataranetos, deixando uma lacuna na família e um vazio nas noites de luar, quando no alpendre da casinha de taipas, depois das baforadas no cachimbo de barro, reuniam-se para ouvir estórias de lobisomem e aventuras de Lampião que ela bem conheceu.

Julho, 13/09

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