Friday, July 17, 2009

O Retrato do Sertão – 3

Anoiteceu em Poços dos Anjos. De madrugada, sob a luz do luar que se infiltrava no quarto através de fissuras no telhado, Dona Giselda, mulher de Agamenon sentiu as primeiras dores do parto.

Agamenon, num pulo só saltou da cama, vestiu-se apressadamente e correu para o jirau onde guardava os arreios. Atrelou o cavalo à carroça um tanto usada e sem bancos, e foi em direção à casa de Mãe Crisalda, parteira e benzedeira de grandes habilidades naquelas bandas do sertão. Foi ela quem ajudou sua mãe, Nhá Marina parir seus cinco irmãos. Ele e os outros seis mais velhos nasceram na fazenda de “seu” Quincas, filhos de Geremias, primeiro marido de sua mãe, morto por uma chifrada de boi.

-Mãe Crisalda...Mãe Crisalda....Mãe Crisalda, gritava Agamenon, enquanto batia fortemente na porta.

-Quem é?

-Sou eu, Agamenon, Giselda está com dor de parto e eu vim buscar a senhora pra ajudar o nenê nascer.

Mãe Crisalda, rezingando adoidada e portando um candeeiro a querosene, cujo pavio de algodão gasto pelo uso, mal iluminava seu rosto, aproximou-se da porta, abriu-a e mandou que Agamenon entrasse e aguardasse enquanto ia pegar “mezinha”, arruda e alguns apetrechos de que iria precisar.

Ainda zangada por ter sido acordada àquela hora da noite, mas consciente de sua função perguntou para Agamenon se em sua casa tinha álcool, cachaça e sal grosso.

- Não, mas na volta eu pego na venda de Maninha.

Subiu na carroça ao lado de Agamenon, e se acomodou sobre o estrado com as pernas penduradas.

Em disparada e com pressa de chegar, só as patas do cavalo e a relha da carroça deixavam suas marcas na estrada empoeirada do chão bruto e seco.

- Esqueci de pegar o relicário, disse mãe Giselda aborrecida.

-Não faz mal, vamos sem ele. A muié não agüenta mais. Acho que quando chegar, o menino já nasceu. Respondeu Agamenon nervoso.

Mal deu tempo de descerem da carroça, e mãe Giselda de posse das coisas que trazia dirigiu-se ao quarto em que estava à parturiente.

-Preciso de ajuda. Chamem a Marilda, pediu mãe Giselda.

Marilda era a irmã mais velha de Agamenon, dentre as mulheres.

Tinha experiência, apesar de não ter filhos. O único havia nascido morto, após um parto complicado que a impediu de conceber novamente.

Com as folhas de arruda embebidas em álcool, vinagre e sal, mãe Giselda esborrifou a barriga da parturiente que se torcia de dores.

- Não quero ninguém no quarto, somente eu e Marilda, disse esbravejando para que todos se retirassem.

Mãe Giselda dizia algumas palavras inaudíveis, que só ela entendia enquanto lançava “mesinha” e defumava o quarto espalhando a fragrância pelo ar.

Trinta minutos depois berrava um meninão amparado pelas mãos ágeis e delicadas da parteira.

Cortaram o cordão umbilical e deram-lhe o nome de Agapito.

Nascia o primeiro tataraneto de Nhá Marina que não teve a sorte de conhece-lo.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home