Wednesday, April 25, 2007

A Lavagem do Bonfim

Os primeiros raios de sol surgem sobre o horizonte iluminando o templo sagrado no alto da colina. Na orla, milhares de fieis se agregam, formam uma multidão e se dirigem ao Santuário para a tradicional cerimônia de lavagem do Bonfim.

Augusto, um paulista astuto e defensor da confraria “Irmãos de todos” que a preside ostensivamente, estava lá travestido de “carijó”, lançando beijos e abraços à multidão que o ignorava, e apenas aplaudia seus ídolos. Trajava a indumentária dos “Filhos de Ghandi”, sem nunca ter pertencido à Confraria. Todos os anos ele participa e acompanha o evento, que nesta ocasião, os baianos aproveitam para dar início aos festejos carnavalescos da cidade soteropolitana.

Mulheres estilizadas de baianas, de saias brancas e rendadas, turbantes na cabeça, de pele negra ou mulata e carregando vasos de água de cheiro à frente do cortejo, dão início à tradicional e secular cerimônia da lavagem.

O vento forte e quente da manhã sopra da orla em direção à colina uivando como que querendo confundir seu som natural com o repicar cadenciado dos tambores, ecoando na avenida.

A cidade ainda dorme estafada das noites de festas e comemorações. Em Salvador tudo é motivo para festejar. Todos o dia se comemora o Santo do dia. Isto quer dizer que o baiano tem trezentos e sessenta e cinco dias de festa, e ainda, por cortesia do papa Gregório XIII, na confecção do calendário cristão, jubila-se ao comemorar o ano bissexto, festejando o dia de São nunca.

Às oito horas e meia, o cortejo acompanhado por milhares de fieis e de grupos musicais; Timbalada, Filhos de Ghandi, Arroz com Feijão, Calcinha Preta e outros expoentes da música pop, sai do largo da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia com destino ao Santuário do Bonfim. Augusto, patrocinador “VIP” da confraria vai à frente, ao lado de baianas e de políticos oportunistas que não prescindem da oportunidade de aparecer perante o povo.

Ostentando o estandarte preto e branco, Augusto mais parecia um príncipe imaculado, acenando para a multidão. De repente, lá do fim do cortejo, alguém, talvez antecipando uma tragédia, grita com toda força dos pulmões: “A jardineira... A jardineira... A jardineira”. Como o baiano é afeto a festas, o som logo eclodiu através da multidão, que repetia uníssona e numa só voz: A Jardineira, A Jardineira, A Jardineira...,até alcançar os tímpanos do cantor, que à frente do séqüito comandava a alegria. E ai, todos começaram a entoar a famosa marchinha carnavalesca dos anos trinta: “Ô Jardineira porque estais tão tristes, mas o que foi que te aconteceu, foi a Camélia que caiu do galho... era só alegria! Ninguém havia percebido o perigo que se aproximava. Desgovernada ladeira abaixo, com o sistema de freios danificado, a Jardineira lotada de turistas investiu contra a multidão, ceifando a vida de alguns religiosos e foliões, inclusive a de Augusto, nosso guardião”.