Friday, May 29, 2009

João Vaqueiro

João, ele se chamava. Esse era o seu nome. Não tinha sobrenome. Chamavam-no de João Vaqueiro.Talvez pela tarefa diária de cuidar do gado. Todos o conheciam como tal. Nem ele sabia exatamente se João se chamava, quanto mais seu sobrenome. Aliás, nem sabia o que era sobrenome. Sabia que era João, e só. Não tinha nem pai, nem mãe. Haviam morrido, quando ainda criança fora doado aos padrinhos que o batizaram e o criaram, coisa comum por aquelas bandas do sertão nordestino. Assim viveu e cresceu João numa fazenda, no meio do mato, rodeado de cavalos, bois, carneiros, e outros animais, seus únicos amigos a quem confiava e com os quais dizia que conversava. Não falava com ninguém qualquer coisa que fosse, senão com o padrinho. Nos momentos de satisfazer seus instintos sexuais valia-se da “mimosa”, estimada vaca de úberes avantajados.

– Era melhor que qualquer vagabunda, dizia ao padrinho, após ser repreendido.

- Só mimosa me dá prazer, e com ela não tenho medo de pegar doenças. Afirmava sempre para o padrinho todas as vezes que satisfazia suas fantasias bestiais, talvez até para adverti-lo por ser o padrinho um homem freqüentador contumaz dos prostíbulos da cidade.

João não tinha qualquer noção da estupidez que praticava contra o animal. Se pensava, de nada lhe servia o cérebro, pois jamais deu demonstrações de possuí-lo.

Num domingo pela manhã, aproveitando a estada do Pároco na cidade, o padrinho resolveu levá-lo à Igreja afim de que o Padre o abençoasse e perdoasse seus pecados.

- Oi João, como vai, disse Padre Eustáquio, com um sorriso largo que vinha de orelha à orelha do rosto gordo e corado protegido por um óculos de lentes garrafais.

João nada lhe respondia. Apenas abaixava a cabeça, num sinal de irreverência e timidez.

O Padre o abençoou, perdoou seus pecados e João voltou para casa.

De nada adiantou. João voltava a praticar as mesmas bestialidades.

12 Março 2009

A Triste Realidade

Ele tentou, mas não conseguiu. Estava difícil naquela manhã cinzenta e úmida completar sua caminhada que fazia diariamente há vinte e dois anos por recomendação medica. A chuva fina e insistente obstava seu desejo. Desistiu da caminhada. Voltou para casa, um tanto desolado. Tirou o agasalho, vestiu novamente o pijama e deitou-se na cama para aproveitar ao menos, alguns minutos de relaxamento e solidão, enquanto ao seu lado a mulher dormia um sono profundo. O teto do quarto e a fraca luz do abajur eram os únicos pontos em que seus olhos podiam se fixar. O pensamento vagueou pelo infinito, a procura de algo que lhe trouxesse alguma lembrança do passado. Lembrou-se dos amigos, das farras que faziam juntos, das namoradas que foram tantas...De repente, alguém lá fora gritou o seu nome. Levantou-se sobressaltado, e num ímpeto de curiosidade e raiva abriu a janela para verificar. Um forte estampido de arma de fogo fez sua mulher levantar-se instantaneamente da cama e correr para a sala, desesperada por não ver o marido ao seu lado. Ao se aproximar da janela viu seu corpo ensangüentado postado ao chão. O socorro demorou a chegar. A tragédia se consumou. Ele foi abatido por um marido traído que já o perseguia há algum tempo.

Era tido como galeantador. Usava brilhantina “glostora” nos cabelos, que quando exposta ao sol escorria-lhe pelo rosto bronzeado do sol das praias. Era um galã. Aliás, seu desejo na juventude sempre fora ser artista de cinema. Aonde quer que estivesse era assediado por varias mulheres. Sua esposa, passivamente tudo aceitava em nome da família, da manutenção do casamento e da vida social que desfrutavam na cidade. Jamais, sua esposa desconfiou que ele tinha amante, apesar do seu jeito sedutor. Sempre foi um bom marido, excelente pai e amigo.

Wesley, se chamava. Sua mãe gostava do nome que havia dado em homenagem ao gerente da fabrica inglesa de fertilizantes que se instalara na cidade durante a segunda guerra mundial.

Maio, 28/2009

Thursday, May 28, 2009

O Pesadelo das Drogas

Não sei para onde vou, nem sei se vou chegar. Vago pelas ruas à procura de um abrigo para o meu corpo frágil e debilitado. As estroinices do passado transformaram-me num farrapo humano. As noites mal-dormidas ao relento, sob a luz das estrelas num banco de jardim, aquecido pelo consumo do álcool e das drogas, tornaram-me distante da família: pai, mãe, esposa e filhos. Dos amigos, nem pensar.Todos me repudiam, como se eu fosse um lixo. Na verdade, o sou. Mas, foram todos eles que me levaram ao fundo do poço, para um futuro sem volta. Sem esperança alguma de recuperação andei à ermo pelas ruas da cidade à espera de um ombro amigo, se bem que ainda havia em mim uma réstia de luz a me nortear o amanhã. Não tinha sentido algum prosseguir nesta caminhada para o inferno. Pensar no futuro era difícil, não conseguia, porque o efeito maligno de sensação de bem-estar deixado pelas drogas, me impedia de fazê-lo. O futuro para mim era tênue porque seria a mesma coisa que o presente. Não tinha vontade de amar alguém ou amar-me a mim mesmo. Nem sequer tinha vontade de pensar. Quem partilharia seus sentimentos com um andrajo mal-cheiroso? No entanto, um filetinho de esperança ainda tinha no peito. Nos momentos sóbrios da vida que eram poucos, mantinha uma sensação de um dia voltar ao passado, reatar as boas amizades, reorganizar a família e voltar ao seio social, do qual fui expulso por faltar-me a consciência e por induções de falsos amigos. Numa madrugada fria, após despertar do efeito maligno, tive uma alucinação em que me via embarcando num avião rumo a um lugar, cujo nome não conseguia me lembrar depois. Era uma pequena cidade – disso me recordo bem. Lembro-me de suas ruas. Eram tortuosas, tal qual a trajetória da minha vida. Tudo era escuro para mim. Somente eu e minha sombra andávamos pelas alamedas da cidade, cujas arvores impediam as estrelas refletirem sua luminosidade sobre o meu caminho. Andávamos, eu e minha sombra, um ao lado do outro, parecendo dois andejos inseparáveis. Minha sombra me causava medo. O medo que me atormentou a vida inteira e me perseguiu até o fim. A sombra que projetava minha imagem refletida pela claridade das luzes das janelas das casas ainda acesas, e que iluminava o meu caminho, queriam me levar a um lugar seguro. De repente parei e vi-me diante da minha sombra.

Sobressaltado pela figura tenebrosa que me acompanhava perguntei-lhe, ainda transtornado sob o efeito mortal das drogas.

-Quem é voce? O que quer de mim?

- Sou você mesmo. Não se reconhece mais? Respondi-me inconsciente.

Por alguns instantes trocamos insultos e empurrões. Lutamos ferozmente, tão vil e deplorável era o meu estado físico e mental.

De pose de uma faca que portava na cintura, desferi-lhe vários golpes mortais. Ela caiu postada ao chão, desfalecida, enquanto eu fugia pelas ruas desertas, gargalhando de alegria por ter vencido o inimigo. Feri-me gravemente, eu sei, mas alguém enviado por Deus que por ali passava no momento, padeceu-se do meu infortúnio e levou-me a um hospital. Finalmente livrei-me do infortúnio, venci a desgraça, e hoje sou livre e cheio de esperanças para recomeçar a vida.

Saturday, May 16, 2009

Troca de Legenda

A permanecer o “fica aqui ou vai pra lá” de filiados partidários que trocam de legendas a pedido do “chefe”, em pouco tempo teremos um só partido político em São Caetano do Sul: o do prefeito. Partido mãe que carrega atrás de si a fileira desenfreada de partidos prosélitos, sem qualquer dignidade e respeito ao eleitor, cada vez mais asfixiado e isolado da política local. Com exceção do PSOL, que pouco representa na cidade – primeiro por não ter representação na Câmara Municipal – segundo por inexistir politicamente, já que metade de seus membros emigrou do PT. O próprio PT que, com apenas um vereador, esquece-se da origem em troca de algum beneficio e torna-se o filho prosélito a fazer parte da irmandade. Inexiste oposição em São Caetano, não pela vontade do povo, mas pelo poder real. O poder legislativo talvez tenha suas razões, das quais discordo, para não se opor aos poderosos do Paço Municipal. Está atrelado e comprometido no mesmo barco do executivo. A administração Raimundo Leite, da qual honradamente me orgulho de ter participado, cujo símbolo era representado por uma flor que simbolizava a “CRUZADA DE AMOR À CIDADE”, num apelo de união das famílias – cujos frutos posteriormente colhidos - sofreu oposição ferrenha do ex-tri prefeito comandada pelo seu maior líder, o ex- Vereador Osvaldo Martins Salgado, coadjuvado por um jornal local sem qualquer credibilidade, ávido de noticias aleivosas. Durante sua gestão, Raimundo teve na Câmara Municipal a oposição de alguns políticos desleais, movidos pelo ódio e pela inveja. Seguiam-lhe todos os passos. Gravavam, fotografavam e anotavam tudo o que ele falava e fazia. Publicavam-se noticias sensacionalistas de qualquer cidadão, desde que o mesmo se chamasse Raimundo: se havia brigado com a mulher, ou tido qualquer entrevero com vizinhos, era motivo de reportagem em letras garrafais na primeira pagina, com infâmias aleivosias, sem escrúpulo algum, com o único objetivo de confundir a população que já se esquecera das cizânias do passado. Foi destratado e injuriado pelos adversários. Sua vida particular foi investigada, virada ao avesso, às vezes ultrajada, sem que nada ficasse provado. No mesmo ímpeto de raiva, inveja e ódio fizeram com Campanella e Massei. No entanto, mal-grada a intenção inópia e voraz de seus opositores, eles prosseguiram administrando a cidade sem lhes dá qualquer resposta às infâmias recebidas. O respeito, a confiança e a admiração que o povo lhes atribuíram foram suficientes para fazer-lhes calar. Hoje, graças à educação, o respeito e a cultura política do povo de São Caetano do Sul, não vemos este tipo de insânia.

Os políticos se reeducaram ou sentiram vergonha na cara? Aceito as duas hipóteses!

José Miranda Filho
Advogado, ex-chefe de Gabinete da Administração Raimundo Cunha Leite.

Falsa Ilusão

Meu filho tinha quinze anos. Sempre mantivemos um dialogo honesto abordando todos assuntos que interessam aos jovens de sua idade. Entre ele e eu não existiam paridades, quer absolutas ou relativas, desde que o assunto visasse sobre sua formação moral e cívica.

Certo dia logo ao amanhecer, ansioso e preocupado por não vê-lo na cama, ele chegou sorrateiramente e me disse:

-Sei que o Senhor não vai gostar, mas ontem à noite fumei maconha na festa de um colega, do qual o Senhor não gosta.

O mundo desmoronou para mim naquele instante, porque jamais imaginava que um filho meu fosse usuário desta desgraça, praga, veneno, miséria, seja qual titulo queiram dar alguns defensores desta desdita, que destrói milhares de lares, e transforma em farrapos humanos dezenas de jovens afoitos em provar sua masculinidade e testar a adrenalina que dizem possuir.

Cabisbaixo, mas com semblante sereno, para não deixar transparecer o ódio que me dominava naquele instante, chamei-o amavelmente e lhe disse:

- Filho, você se lembra da ultima vez que se sentou no meu colo?

Ele levantou os olhos lacrimejados, aproximou-se de mim e num gesto que jamais esquecerei, respondeu-me:

-Pai, cruze as pernas.

Foi o momento mais sublime que experimentei na vida. Afinal, ele já completara quinze anos de idade, suficiente para tornar-se independente e enveredar-se para o caminho do mal.

Sentou-se no meu colo e abraçou-me chorando.

Meus anos de experiência enrijecidos pela idade, mas firme para acolher àquele que era a continuação da minha vida, o ser que mais amava, antes até de mim mesmo, fizeram-me sutilmente atender-lhe. Cruzei as pernas e lhe disse:

-Diga-me, conte-me o que aconteceu.

-Por que você foi à casa desse seu amigo, sabendo que eu não gosto dele por ser por ser uma pessoa desconfiável?

- Pai, há momentos na vida que a gente se sente feliz fazendo coisas erradas. Isso está na nossa idade, no nosso ego, na adrenalina que temos de expelir do corpo.

- O Senhor não entende dessas coisas, porque sua idade já passou, já era, meu pai! Os tempos são outros!

No momento que ele me disse essas palavras, senti meu sangue ferver em todas as veias do corpo. Mas, contive-me, ou Deus me deu este momento para ponderar.

-Filho, realmente você tem razão quanto à idade, mas nunca despreze o amor e o sentimento que lhe devoto. Amo-o mais que qualquer coisa na vida e desejo vê-lo sempre feliz. No entanto, há sentimentos descomunais da vida que a razão desconhece e ignora, em detrimento do nosso querer, e nos impinge tomar decisões, às vezes contrárias à nossa vontade. Ignoramos o lado paternal e do amor.

- Não sei se desconsidero tuas palavras ou se dou cabo da tua vida agora, ou tento mais uma vez recuperar-te dessa infâmia.

Seus olhos fixaram-se languidamente nos meus, num ímpeto de agonia e tristeza. Ele sentiu, naquele instante a dor, a aflição e a agonia de um pai..

-Pai, juro-lhe, disse-me abraçando e beijando-me. Pelo mais sagrado amor que existe no mundo, jamais farei uso de drogas, mesmo que para isso tenha que dispor da própria vida.

-Não é necessário isso filho, disse-lhe sorrindo e beijando-lhe. Foram os momentos mais felizes da minha vida, que tanto pedi a Deus em minhas orações. Ficou no meu colo até passar suas convulsões.

Muitos anos depois, afastado dos falsos amigos e recuperado das drogas, meu filho hoje é executivo de uma empresa multinacional, e dirige uma ONG para recuperação de jovens usuários de drogas.

Friday, May 15, 2009

Chamado por Deus

Não fosse a ordem emanada do Oriente Eterno para trazê-lo a sentar-se entre os angelicais no seleto grupo dos enaltecidos, Doutor Antonio Russo não teria nos deixado tão cedo. Lutou até o ultimo instante da vida contra a enfermidade que o fez sucumbir. Mesmo doente, jamais se deixou abater pelo desanimo ou pela letargia. Ignorava ser ele a quem a morte flertava. Tanto era a avidez que dedicava ao trabalho e aos amigos. Mesmo debilitado ia diariamente ao escritório, inclusive aos sábados, prática que jamais abdicou durante 50 anos, e que certamente um mal qualquer não seria capaz de fazê-lo desistir. Trabalhou intensamente e aguerrido, até o ultimo minuto que o Grande Arquiteto do Universo lhe concedeu. A batalha só foi perdida porque o guerreiro já sem forças para vencê-la, vergou-se ante ela. E, assim foi Doutor Russo, participante indomável no processo de retorno da redemocratização da nação brasileira. Defensor imbatível dos presos políticos que se opunham ao regime que nos tolheu a liberdade, instilava suas discordâncias através de pronunciamentos contundentes no Congresso Nacional. Na área do Direito mostrou sua eficácia e inteligência, e ofereceu-se no desempenho de sua função para reparar o direito de liberdade ao cidadão oprimido em todas as esferas jurisdicionais do país. Como homem publico deixou-nos virtuosos exemplos de como servir ao povo, este mesmo povo que por duas vezes consecutivas não o entendeu ao negar-lhe a eleição de prefeito da cidade que muito amava e o viu nascer. Partiu Antonio Russo a chamado de Deus aonde está ao Seu lado, deixando-nos uma lacuna profunda de saudades, mas com certeza, para honra e gloria seu nome será lembrado eternamente entre todos nós que por ele nunca fomos esquecidos.

Adeus Doutor Russo. Descanse em paz!